Velhas conhecidas

FAUSTO BRITES

 

Madame Direita chegou à cafeteria com a empáfia que lhe era peculiar. Tinha um encontro com uma velha conhecida. Entrou no luxuoso salão, olhou discretamente para os lados e dirigiu-se para uma mesa. Povo, o garçom mais antigo da casa, aproximou-se:

 

– Em que posso servi-la, madame?

 

Direita empertigou-se e disse:

 

– Povo, aguardo aquela minha conhecida. Vê se não me incomode até que ela chegue.

 

Povo retirou-se pensativo. Passados alguns minutos, surge uma esbaforida Esquerda:

 

– Demorei, mas cheguei – disse, enquanto puxava uma cadeira. Direita, irritada, não se conteve:

 

– Atrasada como sempre, né Esquerda?

 

A resposta veio curta e grossa:

 

– Raivosa como sempre, né Direita?

 

– Vamos ao que interessa Esquerda – disse a Direita, pegando a piteira e abrindo a cigarreira.

 

– Aceita um cigarro?

 

– Preferia, na verdade, um charuto cubano, mas faço uma concessão.

 

Povo aproxima-se e gentilmente fala:

 

– Desculpe-me senhoras! É proibido fumar.

 

As duas olham com desdém para ele e, num uníssono, dizem:

 

– Povo, desde quando você manda? Ponha-se no seu lugar.

 

Povo afasta-se, novamente pensativo.

 

Direita diz, categórica:

 

– Esquerda, chamei você aqui porque anda pegando pesado contra mim. Críticas têm limites, né?

 

– Ora, Direita, estamos no mesmo barco, porque você também acaba comigo quando abre a boca.

 

– Precisamos nos entender, Esquerda.

 

– Entre nós, tudo bem. Mas lá fora não tem jeito.

 

– Não venha, Esquerda, você novamente com essa história de voz rouca das ruas.

 

– Direita, Direita! Saiba entender o momento.

 

– Ora Esquerda, sem essa Direita aqui, você não é nada.

 

– Querida Direita, você é quem, sem essa amiga aqui,  pode cair pelas  tabelas.

 

– Acho que não vamos nos entender. É uma discussão estéril – reconhece a Direita.

 

– Estéril sim e sabe por quê? Anote aí: Direita e Esquerda são hipócritas – afirma a Esquerda.

 

– Nossa! Acertou na mosca. Somos irmãs siamesas da política. Vamos fazer tim-tim? –  propõe a Direita.

 

Brindam, sorrindo.

 

– Agora, ao que interessa. Estou sem dinheiro – diz a Esquerda.

 

– Eu também. Mas não se preocupe. Vamos pendurar a conta.

 

Direita chama:

 

– Povo, venha até aqui. Vamos assinar nota. Pagamos depois.

 

– Mas se as madames assinarem, eu vou ter que pagar a conta.

 

– Você não está acostumado a pagar a conta, Povo? Mais uma não vai te matar – diz a Esquerda.

 

– A Demagogia está aí? Chame ela aqui –  determina a Direita ao Povo.

 

Demagogia se aproxima, solícita.

 

– Esquerda, Direita, que bom ver vocês. O que mandam?

 

– Nós precisamos sair daqui, mas de maneira discreta. Não quero ser vista com a Esquerda e, com certeza, a Esquerda não quer ser vista com “euzinha”, a Direita. Será que não dá para a gente usar a Conveniência?

 

– A Conveniência? É claro “amore”. Vou chamar a Corrupção, que ela mostrará a nova saída para vocês. Ela vive inventando novas saídas. Vai dar tudo certo.

 

Dito isso, soltou uma gargalhada.

 

Corrupção se aproxima, cumprimenta a Esquerda e a Direita. Sem fazer comentários, a Corrupção leva Direita e Esquerda por um corredor mal-iluminado até a Conveniência e indica duas portas opostas. Ordena, com um sorriso irônico:

 

– Direita, use a esquerda. Esquerda, use a direita.

 

 

(Publicada originalmente no jornal diário Correio do Estado/ Chage de Éder)

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