“Desabamento” da passarela

Por FAUSTO BRITES

 

O convívio estava péssimo na redação no jornal diário onde eu trabalha, nos anos 80, em Campo Grande (MS). O editor-chefe, não se sabia o motivo, passou a encarar repórteres, fotógrafos e diagramadores, como inimigos mortais. E não fazia questão de esconder isso, utilizando-se de palavras pesadas para denegrir os trabalhos. Irritado, circulava reclamando de tudo e de todos.

 

Reclamava dos textos, mas não apresentava argumentos.

 

Dizia:

 

– Está ruim. Se eu estou falando que está ruim, é porque está ruim mesmo.

 

Os dias iam se passando e a situação estava ficando insuportável.

 

Certo dia, ele entrou na redação e, sem cumprimentar ninguém, foi até a sua mesa, pegou um bloco de anotações, a caneta e chamou o fotógrafo, rispidamente:

 

– Vê se corre pois não tenho tempo prá te esperar!

 

Depois, olhando para nós, com aquela cara de poucos amigos, afirmou em alto e bom som:

 

– Vou mostrar prá vocês como é que se faz uma grande reportagem.

 

Virou as costas e saiu, em direção à rua, acompanhado pelo apressado fotógrafo.

 

A curiosidade entre nós, é claro, era muito grande. Por isso, quando ele regressou tratamos de saber do fotógrafo onde tinham ido. O colega contou que foram até a Passarela da Rua Rio Branco e ele mandou fazer vários detalhes de toda a obra, principalmente dos pilares

 

Essa passarela foi construída na Barão do Rio Branco em 1979, situada depois da Avenida Calógeras, separando, os trilhos da NOB, da Praça Aquidauana. O caminho levava à então Estação Rodoviária.

 

 

Voltamos à ‘grande reportagem do editor-chefe.

 

 

Na edição do dia seguinte, o jornal estampava a manchete alarmista: ‘’Passarela da Rio Branco ameaçada de desabamento”. O texto, sem citar nem sequer uma fonte, era um amontoado de ilações  e atribuía o risco às ‘’rachaduras’’ na base da passarela.

 

 

Foi uma piada pois as ‘’rachaduras ameaçadoras’’ nada mais eram que as chamadas juntas de dilatação, a técnica de espaçamento para proporcionar expansão térmica e proporcionar flexibilidade à obra, ou seja, para que materiais de concreto se expanda sem danificar a superfície construída.

 

 

A ”magnífica e extraordinária reportagem” resultou em amplo espaço para contestação, com base técnica, em laudos, do poder público. Desmentido, aliás, necessário para deixar a população tranquila, posto que a passarela era utilizada por centenas de pessoas diariamente.

 

 

O tal  ‘desabamento’’  era, conforme contestado pelos laudos, realmente uma obra de ficção do editor-chefe pois a passarela resistiu até 1999 quando, então, foi demolida por decisão do prefeito da época para obra de revitalização

 

 

E o editor-chefe?

 

Depois do vexame monumental, recolheu-se à uma das ”rachaduras” da passarela da vida.

 

Foto: Revista Arca / Reprodução

 

Irritado, presidente general Geisel fecha o Congresso

 

FAUSTO BRITES

 

 

O mês de abril de 1977 foi marcado pela aplicação do Ato Institucional número 5, o temido AI-5 do regime militar que dava poderes ilimitados ao presidente da República. O general Ernesto Geisel estava no comando do País e lançou mão da medida para promover reformas no Judiciário e, também, mudanças na legislação política (a oposição tinha derrotado o governo, em 1974, conseguindo 44% das cadeiras da Câmara e 16 das 22 vagas do Senado).

 

A edição do dia 2/3 daquele mês, do Correio do Estado, trouxe, como manchete, “Geisel usa AI-5 e põe o Congresso em recesso”.

 

Para se ter uma ideia, o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, baixado no governo de outro general, o Costa e Silva, é tido como “a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados”, conforme o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas.

 

Mas o que levou Geisel a lançar mão do ato tão temido?

 

A edição daquele dia do Correio do Estado reproduziu, na íntegra, o pronunciamento do presidente militar em rede de rádio e televisão. O fechamento do Congresso Nacional, conforme Geisel, se deu “(…) para que o governo possa promover a reforma do Judiciário, além das demais reformas de natureza política, que considero indispensáveis ao bem-estar, à tranquilidade e à própria instituição política de nosso País (…)”. Explicou sua decisão de fechar o Congresso Nacional: “(…) Elas são em decorrência dos problemas que se suscitaram nestes últimos dias, com relação à reforma do Poder Judiciário (…)”, explicando que no início do seu governo (1974), em visita ao Supremo Tribunal Federal, houve conversa informal da necessidade de se adotar mudanças porque a Justiça era lenta e defasada.

 

A partir daí, foram iniciados estudos, envolvendo Executivo e Legislativo, até que se chegou à elaboração de uma emenda à Constituição, que foi enviada, em novembro de 1976,  ao Congresso Nacional. “Imaginávamos que, dado o interesse nacional, pela reforma da Justiça e seu caráter apartidário, teríamos o apoio unânime do Poder Legislativo e dos membros do partido do governo como do partido da oposição. Agora, em março deste ano, verificamos que o partido da oposição apresenta reivindicações que nada tinham a ver com a reforma em si e nem tinham sido objetos de diagnósticos feitos  pelo Supremo Tribunal Superior. Assim mesmo, procurou-se negociar com a oposição, transigindo em determinados pontos, a fim de ver se chegaria a um resultado conciliatório, que não privasse o nosso povo de uma melhor Justiça”, disse ainda o presidente, em seu pronunciamento.

 

Depois, afirmou que não se conseguiu resultado algum porque a oposição tinha decidido fechar questão, “impedindo que seus representantes no Senado e na Câmara votassem a favor da reforma. Adotaram um posicionamento que não se coaduna com o espírito democrático que vivem invocando. Falam em democracia plena e não permitiram que os legisladores do seu partido votassem ou opinassem com relação à reforma. Todos foram obrigados, sob pena de perder o mandato, a votarem contra”.