Campanha política na terra da “bala que não se perde”

 

Fausto Brites

(Os nomes das pessoas são fictícios)

 

Ele se aproximou e disse ao meu amigo Steve :

 

– Vou ensinar a você a nunca mais brigar com mulher!. Era Eslav.

 

Repentinamente o restaurante ficou vazio. As pessoas quase nos derrubaram na saída apressada, temerosas de que haveria um tiroteio.

 

O caso ocorreu em Ponta Porã, cidade que faz divisa com o Pedro Juan Caballero, no Paraguai, e onde o número de execução é elevado. Nos meios jornalísticos, o costume era dizer que naquela região não existe ”bala perdida” pois sempre ”encontra o alvo”.  Estávamos na cidade trabalhando na campanha eleitoral para o candidato a prefeito Gregory que disputava a prefeitura.

 

Pela primeira vez seria levado ao ar um programa de TV no horário gratuito, na cidade, e a equipe era formada por diversos profissionais. Uma ampla casa havia sido alugada nas proximidades da linha internacional onde funcionava os estúdios. Minhas funções era a coordenação do programa de rádio.

 

Havia rivalidade política, é claro. Gregory era muito ”massacrado” nos programas eleitorais dos adversários mas, conforme a orientação dos coordenadores de campanha, o contra-ataque seria só em casos extremos, mas no terreno da campanha politica. A ideia era apresentar as dificuldades da população, assim como propostas e projetos que pudessem melhorar a situação dos moradores. Ataques pessoais aos adversários estavam fora de cogitação.

 

O fato de participar de uma campanha eleitoral na fronteira não significava, pelo menos para mim, algo temerário, apesar de histórias e acontecimentos que pudessem mostrar ao contrário. Além do mais, Ponta Porã é minha terra natal.

 

Um desses acontecimentos, por exemplo, envolveu uma jornalista da equipe que, ao chegar em casa foi rendida por dois assaltantes e teve o carro (locado) levado pelos marginais para o Paraguai. Dias depois, o veículo foi recuperado e, segundo se informou na época, com a morte dos envolvidos no roubo.

 

Outro episódio foi quando, em conversa com uma das integrantes da equipe (da área administrativa), eu reclamei que Bob, um dos candidatos estava sendo muito inconveniente durante o jantar onde estávamos. Um dos seus assessores de campanha ouviu, contou a ele que veio tirar satisfação e fazendo ameaças. ”Vou te deixar jogado lá no Marco Grande”, disse ele. O chamado Marco Grande fica na divisa Ponta Porã-Paraguai e onde geralmente eram encontrados corpos dos executados.

 

Os coordenadores da campanha intervieram e, no dia seguinte, foi marcada uma reunião e nós dois conversamos e as arestas foram aparadas. Durante o período que durou a campanha, vale dizer, ele foi o candidato mais dedicado nas gravações, no cumprimento do horário e na demonstração de respeito a todos os jornalistas.

 

Os integrantes das equipes foram alojados em casas diferentes. Os responsáveis pelos programas de rádio, por exemplo, ficaram em um casarão de altos muros e que havia até guaritas. Fomos informados de que o imóvel tinha pertencido a um conhecido pistoleiro da região que fora executado, com dezenas de tiros, numa das avenidas da cidade. Para que houvesse, digamos, tranquilidade foi determinado pelos coordenadores políticos da campanha que na guarita (que ficava vazia, é claro) fossem colocados adesivos do candidato Gregory como ”senha” para que nenhum dos moradores – no caso, nós – fosse incomodado.

 

Com o decorrer dos trabalhos, é claro que surgiram momentos de estress entre os integrantes da equipe. Foi o que ocorreu entre Steve e a jornalista encarregada de coordenar a captação das imagens para a produção dos programas de TV.

 

E foi Eslav, o motorista, morador da cidade e que atendia a jornalista, que decidiu dar uma de ”cabra macho” e tentar que poderia resolver a situação à bala. Isso depois de muitas doses de uísque no referido restaurante onde, depois do trabalho extenuante do dia, as equipes se reuniam para jantar, avaliar o trabalho, discutir novos programas, e até mesmo para relaxar.

 

Voltamos à noite da ameaça.

 

Quando as pessoas saíram correndo temendo o tiroteio, o ”pistoleiro de ocasião” Eslav distraiu-se e, assim, o cinegrafista colocou as mãos numa das cadeiras e ficou preparado para, ao menos, reagir caso o motorista sacasse o revólver.

 

– Vamos parar com isso! Larga de besteira! Volte lá pro seu uísque – disse eu ao embriagado ”pistoleiro”. Não que eu estivesse com a mínima vocação de ser herói, até porque eu realmente estava temeroso com o momento uma vez que fiquei ”sitiado”: um ameaçando matar e o outro com as mãos em uma cadeira para reagir. Eu, no meio. Ou levaria tiro ou uma pancada na cara.

 

Fiquei mais aliviado quando o motorista começou a perdeu a sanha sanguinária e, também, passou a cambalear ainda mais como se, ao levantar para fazer as ameaças, todo o álcool teria afetado sua coordenação motora.

 

Repeti a cantilena para que voltasse para a mesa, falei de que ele tinha que pensar na família e outras coisas que nem sequer me lembro mais. Nem ele, é claro. A jornalista, que estava na mesa com ele se encontrava antes, levantou-se e também interferiu, retirando-o do local. Sugeri ao companheiro Steve que também fosse embora. Minutos depois chegou um dos líderes políticos da cidade para saber o que havia acontecido e se estava tudo bem.

 

O motorista Eslav foi desligado da equipe. Com o término da campanha, segundo as informações, ele foi preso por não pagamento da pensão alimentícia. Dias depois, teria sido assassinado e o corpo encontrado em uma estrada vicinal.

 

Já o candidato Bob (ele não foi eleito) que teria feito a ameaça de ”me deixar” no Marco Grande foi executado quando estava numa barbearia, meses depois. Segundo consta, o motivo teria sido por desavenças comerciais.

 

Pistoleiros entraram no local, fizeram sinal para que o barbeiro se afastasse e atiraram várias vezes contra Bob, segundo fique sabendo de fontes fidedignas.

 

O candidato a prefeito Gregory ganhou a eleição. Dois anos depois, candidatou-se à uma cadeira na Câmara dos Deputados e a conquistou.

 

No dia 15 de setembro de 2015, já sem mandato, foi executado por pistoleiros, em plena luz do dia, quando saía de uma repartição pública situada em uma das principais avenidas de Ponta Porã.

 

 

Foto: Ponta Porã / Paraguai

Crédito: Fausto Brites

 

 

 

 

 

 

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