O assassino e o ”negociador”

 

 

 Fausto Brites

 

A redação estava deserta. Os colegas tinham saído para almoçar e, eu, decidi ficar mais um tempo para terminar um texto. Na Remigton, já na terceira lauda (a reportagem era especial), continuava datilografando para terminar tudo antes das 13h. Na época, início dos anos 1980, esTe escriba trabalhava no diário Jornal da Manhã (hoje, extinto), n Rua Antônio Maria Coelho, entre a 14 de Julho e Avenida Calógeras, em Campo Grande, quando o telefone tocou e, do outro lado da linha, a pessoa informou que a Polícia Civil estava precisando de um jornalista, urgente. Motivo: um home havia assassinado outro, foi perseguido e se refugiara em uma casa. Concordou em se render, desde que fosse na presença de um jornalista.

 

 

Consegui uma carona e me desloquei até o local, na região da Vila Carvalho.

No caminho, fui pensando se valeria  a pena participar do episódio. Afinal, jornalista não é  personagem da notícia e deve evitar, ao máximo, de sê-lo. Claro que há exceções e, naquele instante, as consequências daquela situação poderia fazer vir a me tornar uma peça da história que naquele momento estava em curso.

 

 

Ao chegar no local, a movimentação era grande. Muitas pessoas, curiosas, eram mantidas à distância pelos policiais, mas acompanhavam todas as negociações.

 

 

O policial que comandava a operação explicou o que havia acontecido: uma discussão havia originado no assassinato. A vítima, segundo as informações, era de família muito conhecida e com histórico de reações violentas quando contrariadas. Depois de ter praticado o crime, o autor acabou sendo localizado e, na fuga, refugiou-se numa casa. Mandou as pessoas saírem e se trancou, ameaçando trocar tiros com a polícia se tentasse entrar.

 

 

Depois de muita conversa, à distância, com os policias, decidiu se entregar. Exigiu a presença de um jornalista para contar sua versão do crime e ter segurança de que nada aconteceria com ele.

 

 

O acusado do assassinato estava armado com a arma do crime (um revólver com seis balas no tambor) e fazia apariação esporádicas na janela perguntando se tinham encontrado um jornalista para ”negociar” com ele a sua rendição. A situação era tensa até porque, alguns dos policiais mais exaltados, não concordavam com a exigência. Para eles, o homem tinha que se entregar e pronto e não importava as consequências e, o cerco, estava muito bem feito o que evitaria sua fuga. Outros, mais ponderados, entendiam que deveriam fazer o acordo para evitar consequências mais graves pois tudo ali era imprevisível.

 

– O jornalista chegou! – gritou um dos policiais.

 

 

– Manda ele vir aqui, mas só ele! – respondeu.

 

 

O responsável pela ação policial perguntou se eu tinha certeza do que estava fazendo pois poderia desisitir. Não recuei da decisão, até porque tinha concluído que seria uma grande reportagem.

 

– Vai, mas com muito cuidado! – disse o policial.

 

A casa era cercada de balaústre. Levantei o bloco e caneta, meus instrumentos de trabalho, para que o homem visse. Ele fez um sinal para que se aproximasse da janela onde se encontrava. Quando eu estava próximo, ele disse:

 

– Não precisa ficar com medo.

 

Cheguei até a ele. Estendi a mão para o cumprimento; ele deixou o revólver de lado e fez o mesmo.

 

– Tudo bem? – Perguntei

 

– Não ‘tá não, né? Matei um cara e vou preso.

 

Ele disse que queria dar a entrevista.

 

Entrevistei-o. Ele me contou que conhecia a vítima e mantinha relação conflituosa com ela e seus familiares. Disse ter sido ameaçado várias vezes e, naquela manhã, quando se encontraram houve nova discussão e o assassinato.

 

– Ele ia sacar a arma dele. Matei ele. Antes ele do que eu – disse.

 

Depois da entrevista, perguntei:

 

– Tudo tranquilo? Posso chamar os policiais?

 

– Pode chamar. Só dois.

 

Fiz um sinal em direção aos policiais para que viessem e, com outro sinal, mostrei que deveriam ser só dois.

 

Com a aproximação dos policiais, ele voltou a pegar a arma, como forma de se garantir.

Os agentes se aproximaram.

 

Depois, entregou o revólver, saiu da casa e se entregou, sendo algemado e conduzido para o camburão.

 

Soube depois que, levado a julgamento, foi condenado.

 

Anos depois, ele foi assassinado a tiros na saida para Três Lagoas.

 

A polícia recebeu denúncia anônima e encontrou o corpo crivado de balas, em uma mata às margens da BR-163, na saída para Cuiabá. Conforme as informações que recebi, antes de ser morto ele teria rolado no chão como se estivesse tentando escapar dos tiros.

 

 

 

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